25 de novembro de 2015

O boi e a sua senhora, Nelson Palma Travassos. São Paulo: EdArte, 1962.

O livro já começa polêmico pelo título pitoresco e errado: o boi e sua senhora. Boi é usado para designar animais bovinos machos castrados. Estes não servem como reprodutores por motivos óbvios, por conseguinte, o senhor da senhora vaca é o touro. A história discorre sobre a relação entre Juvêncio Virgulino do Amaral Pedroso, um cartorário que revolveu investir na pecuária a partir da aquisição de uma Fazenda no interior de São Paulo. Teve como orientador o Tio Inácio, um homem antigo que vivia fardado de coronel: calça, colete e palito de brim cáqui, camisa abotoada no colarinho sem gravata. Entre eles, Inácio representava um mundo que se extinguia, ao passo de Juvêncio, o mundo que surgia no horizonte. Juvencinho, filho de Juvêncio ao final da história foi aquele que acabou por modernizar toda a estrutura agrária iniciada pelo pai, Juvêncio. Nessa relação o autor narra a trajetória da pecuária brasileira deste a chegada do gado no Brasil, na Capitania de São Vicente, no período colonial, até a sua expressão maior na pecuária brasileira, o Nelore. Uma obra de leitura obrigatória a todos aqueles que de uma maneira ou outra lida com essa atividade, a pecuária.

21 de agosto de 2014

Zebu, o culto pela orelha

O Indubrasil[1]

Entre o expirar do século passado e o alvorecer do presente os conhecimentos que se possuíam no Brasil sobre o Zebu e sobre as suas raças perfeitamente definidas na índia estavam ainda no período nebuloso.

Os valentes emissários que o arrojo e alta visão dos nossos primeiros importadores de gado indiano, em maior escala, enviaram ao Oriente, nada sabiam e nem poderiam saber sobre esta questão de raças zebuínas. Pouco ou quase nada se encontrava nos livros de então. Mesmo a bibliografia britânica sobre a matéria era parca e deficiente. Somente em 1887 é que o governo inglês enviou, pela primeira vez, à Índia um zoologista de valor para estudar in loco as raças de animais domésticos e tentar classificá-las de uma forma mais ou menos obediente às formulas científicas. O emissário foi o professor de agricultura e economia rural da Universidade de Edinburgo – Sir Robert Wallace, que nos legou a importante obra que é e ‘Índia in 1887’.

Os emissários em apreço tiveram que se deixar levar, às mais das vezes, pelo que lhes contavam em Bombaim, a clássica porta de entrada da Índia para os que vêm do Ocidente. Aí, forçosamente, lhes foi impingido muito gato por lebre de acordo com o velho brocardo – ‘mais vale o tolo no seu que o ladino no alheio’. Assim puseram-se eles a adquirir zebus sem curarem da disposição racial destes. Deixaram se impressionar, nas usas primeiras incursões pelo interior do nordeste indiano, pelo majestoso do Cancredje puro (o Wadhiar de Radhanpur) de grandes chifres grossos em forma de lira, pelo refinado Guzerate ou mesmo por outro qualquer zebu de Bombaim, desde que tivesse a orelha pendente.

Como Cancredje lhes foram vendidos muito Malvi, muito Rath, e mesmo algum Nagore (pena é que deste último não nos tivesse vindo mais). O zebu de orelhas pendentes impressionava muito a esses emissários. Nelore era muito longe. Do outro lado da Índia. A viagem por mar longa demais, por terra, estafante. Ademais, esses zebus de orelhas grandes eram os zebus de fato. Os outros, os de ‘orelhas de colher’, não podiam se comparar com estes, não podiam rivalizar com os majestosos animais que viam enlevados, a puxarem os carros dos marajás.

E assim se foi ficando na mentalidade do nosso criador o culto pela orelha descomunal do zebu que tanto e tão precioso tempo lhe fez perder. Hoje, para o nosso bem, está muitíssimo atenuado ou quase que banido esse culto, principalmente pelos criadores que procuraram estudar mais de perto a questão das raças do zebu e as características de cada uma delas.

Os compradores de zebu na Índia, mais a título de curiosidade, trouxeram, a princípio, alguns Gir puros, na sua maior parte Gir vermelho, de cambulhada com o gado branco-cinza do nordeste indiano. Os criadores do Triângulo, também a mesmo título, procederam a algumas cruzas daqueles estranhos animais com este gado. O Gir mais lhe parecia o búfalo que viam estampados nas revistas e nos compêndios de zoologia. O resultado foi além da expectativa. Ficaram maravilhados com as crias. Formas magníficas, precocidade surpreendente e, mais que tudo, as orelhas! Estas, em tais bezerros recém-nascidos, ultrapassavam já a ponta do focinho. E com que elegância apresentava o pavilhão revirado para fora, macias e finas! Pareciam maiores do que eram. No meio de uma bezerrada zebu mestiços de Gir destacavam-se aos olhos de qualquer leigo, pelo porte altaneiro, elegância, robustez e, principalmente pelas orelhas.

E o pobre Nelore, tão nobre e tão fino, mas de orelhas curtas, viu-se deposto de seu tão merecido pedestal. Para a maioria deixou de ser até zebu e assim mergulhou-se no abismo da mestiçagem grande cópia de rebanhos importantes já tão apurados. Ainda são lembrados com pesar, por muitos os magníficos rebanhos de Conquista, da família Fontoura Borges. Felizmente para a grande raça, teve esta, adeptos devotados que resistiram à avalanche da orelha descomunal e desta maneira foi salva a preciosa semente do Ongole brasileiro, hoje revivendo com tanta pujança e disputando mesmo pelos seus antigos escarnecedores.

Todavia, esta fora de dúvida que o cruzamento do Guzeráte ou Cancredje com o Gir deu como resultado um mestiço muito mais precoce e mesmo mais apto a deter maior porção de carne do que, em geral, os novilhos puros das duas raças-tronco. Tem os quartos mais arredondados e cheios devido à heterogênese operada, completando-se os caracteres herdados.

Com o escopo de procurarem reter esse conjunto de caracteres de uma maneira perene, criadores adiantados do Triangulo Mineiro, já há muito, vinham tentando a formação de uma nova raça em que esses caracteres se apresentassem fixos, de geração a geração.

O coronel José Caetano Borges, continuador da obra grandiosa de seu progenitor em prol do zebu, apresentou afinal um touro que foi considerado naquela época (cremos que em 1926, mais ou menos) como tipo padrão da nova raça em perspectiva, embora, para isto, lhe faltasse a prova final e concludente de prepotência. Este touro foi o ‘Induberaba’. O entusiasmo cresceu entre os criadores.

Como resultado disto, houve uma grande reunião na sede da Sociedade Rural do Triângulo Mineiro (SRTM) em Uberaba para a escolha e aprovação das características a serem adotadas definitivamente para a nova raça, assim como para escolher o nome a ser-lhe dado. Posto em votação foi escolhido o de ‘Indubrasil’, por conter, em feliz aglutinação, o nome dos dois grandes países criadores do zebu. Alguns mais bairristas lembraram o nome ‘Induberaba’, por ter sido em Uberaba iniciado o cruzamento que daria origem à nova raça. Ninguém lhes pode tirar totalmente a razão.

Nessa reunião ficaram registradas as características zoognósticas da nova raça, cuja enumeração pormenorizada copiamos abaixo:

“Pele de cor escura, qualquer que seja a cor do pêlo. Cor será o baio mais claro, ou o baio mais escuro e bem assim o amarelo nas suas tonalidades diversas traduzindo-se assim por uma cor sólida ou mistura gradual de duas cores firmes. A cabeça deve guardar um perfil subconvexo como intermediário do Gir e o perfil concavilíneo do Guzerate, as raças que lhe deram melhor origem. A testa deve ser ligeiramente saliente. A face curta e ligeiramente afunilada para o focinho. Ventas largas, cheias e abertas. Beiços pretos. Orelhas de tamanho médio com o pavilhão voltado para frente. Olhos grandes e mansos. Chifres de tamanho médio, de grossura maior na base, diminuindo para a ponta. Pescoço de preferência curto e cheio, bem inserido no tronco. Barbela de comprimento e largura médios, bem delineada, concorrendo para a beleza do conjunto, mais fina nas vacas. Espátulas ligeiramente oblíquas com paletas bem cobertas de carne. Cupim de tamanho médio, fino e em forma de rim ou de castanha de caju, bem estendido para trás. Desprezam-se os animais que o tenham caído de um dos lados por ser considerado defeito. Peito profundo e largo, sem depressões, tende a maçã (encontro) profunda e larga, moderadamente saliente e proporcionalmente coberta de carne e gorduras. Costelas bem arqueadas, sem depressões para trás das pás, juntas e bem cobertas de carne até a anca. Lombo forte e musculoso. Garupa comprida, horizontal e bem ligada ao lombo e cobertas de carnes. Quartos musculosos, cheios e profundos e espessos. Coxas e entrepernas cheias e espessas com carne até o garrão. Cauda comprida e fina, despontada a começar da base. Linha de baixo reta, horizontal e o mais paralela possível com a linha de cima. Virilhas cheias e profundas. Pernas moderadamente curtas e colocadas em retângulo, aprumos perpendiculares. Braços bem musculosos com osso fortes e lisos. Cascos pretos ou escuros. Carne profunda, firme, lisa e uniformemente cobrindo o corpo todo, mostrando abundância de músculos. Couro papada moderada e um moderado desenvolvimento de pela solta na região do umbigo; couro suave e oleoso, coberto de pêlos curtos. Aparência geral vigorosa e compacta indicando grande porcentagem de carnes, mostrando grande virilidade. Passo rápido com cabeça erguida, denotando energia. Peso (desenvolvimento) proporcional a idade. Está datado: Uberaba, 13 de Março “de 1938”. – “Assinado por Agenor Fontoura Borges, João Machado Borges, Vicente Rodrigues da Cunha, Valdemar Cruvinel Ratto, Guiomar Rodrigues da Cunha e José Rodrigues da Silva Calheiros”.

A redação deste documento que copiamos tal qual se acha, encontra-se modificada no ‘Regulamento e Instruções do ‘Registro Genealógico das Raças de Origem Indiana, Gir, Nelore, Guzerath e do tipo Indubrasil’ – de 30 de Agosto de 1938, sem, todavia, sofrer alterações em suas linhas gerais.

Pelo que acabamos de expor patenteia-se a boa vontade, o patriotismo e a energia desses batalhadores.

A intenção foi a melhor possível, porém os resultados alcançados até agora não tem sido de molde a considerar-se vencida a campanha em prol da nova raça. Embora tenha havido sempre um grupo de criadores enérgicos e tenazes que seguiram avente na trilha certa e preestabelecida, procurando, sem desfalecimento, imprimir à raça em formação as características indicadas pela SRTM, a maioria não tem procurado proceder da mesma maneira. Uns se apegam ainda às orelhas descomunais, outros a cores diferentes para a pelagem, outros batem por conformação toda especial da cabeça, havendo mesmo alguns que querem para os seus Indubrasis a cor pintada do Gir.

Já ouvimos diversos criadores manifestarem-se desta forma: ‘Para mim o Indubrasil com a cabeça quanto mais agirada melhor’. Há outros que respondem: ‘Pois para mim, não! Desde que ele tenha a orelha bem comprida, a cara aguzeratada é mais elegante. Ainda há outros que cruzam simplesmente animais de origem duvidosa com sangue das duas raças-tronco e proclamam-se criadores de Indubrasil, com grande prejuízo para os que realmente se esforçaram para a fixação definitiva da raça. Será possível fixarem-se desta forma as características de uma raça?

O governo por muito tempo prestou pouca atenção ao zebu e mesmo mal aconselhado, declarou a este uma guerra surda. Hoje já lhe reconhece o valor e está cônscio de que na zona intertropical do país é o zebu, incontestavelmente, um dos esteios da nossa economia. Estão hoje, certos os nossos dirigentes que muito pouco vale para a pecuária dos trópicos os rebanhos originários das zonas temperadas, para com eles povoarmos os nossos campos naturais.

Seguindo este novo e sensato modo de encarar uma questão de importância tão vital, foram criadas diversas estações experimentais de zebu, entre as quais se destaca a Fazenda Experimental de Uberaba, não só pelos elementos materiais de que foi dotada, como, principalmente, pela direção inteligente de que goza, tendo à sua testa zootecnistas cônscios da imensa tarefa que lhes pesa aos ombros e que trabalham de fato em prol de refinamento científico do zebu brasileiro.

O Indubrasil tem na SRTM o seu registro genealógico.

Pelo que acima acabamos de expor veremos que há bastante que fazer ainda para a fixação definitiva do Indubrasil, tarefa esta que hoje está, muito especialmente, a cargo da Fazenda Experimental de Uberaba. Temos para nós que esta medida está certa. Os poderes públicos podem com muito mais proveito que os particulares levar a cabo empreendimentos como este, pois, para isto, é necessário muito tempo, muito dinheiro, muita paciência, assim como um trabalho de vigilância constante e tenaz, com sacrifício imediato de todo animal que fugir à linha visada, e mais que tudo, a comunhão de esforços de TODOS os criadores da nova raça em formação em torno de um só ideal, sem tergiversação nem desânimos. Sem este conjunto de elementos a fixação da raça resultará uma utopia.

O que acabamos de expor evidencia-se cabalmente quando nos reportamos à história da formação do ‘Shorthorn’ no condado de Durham, na Inglaterra, encetada e quase definitivamente terminada pelos irmãos Colling. Durante a vida destes a coisa foi muito bem e a raça foi se expandindo, lenta, mas firmemente, obedecendo às rigorosas regras de seleção, ajudados os Collings por Thomas Booth e Thomas Bates. Infelizmente desaparecidos os fundadores, os últimos entram em rivalidade quanto às características a serem impressas na nova Durham dividindo em dois tipos: o ramo Bates e o ramo Booth. A pureza da raça atirada à fantasia dos partidários dos dois ramos começou a periclitar até que chegou a seu auge de desintegração em 1875. Aí houve então a intervenção enérgica e o providencial de criadores do calibre de Cruickshank, secundado por W. Duthie e por Dean Willis. A raça voltou de novo ao antigo esplendor firmando os caracteres que até hoje fazem do ‘Shorthon’ o padrão do gado fino para carne.

É óbvio, pois que, para conseguir-se a fixação dos caracteres transmissíveis no Indubrasil, de geração após geração, sem degenerescência, é necessária, antes de tudo, a disciplina entre os criadores, coisa bem difícil entre nós.

No seio da Índia, território do Radjuputana, Estados de Alwar e Bartpur, vai encontrar um produto mestiço de Gir com Hariana de caracteres há muito fixado e transmissíveis. Esta nova raça tomou o nome de Mehwati.

Às margens do Narbada, nas Províncias Centrais da Índia depara-se com o Nimari, produto do Gir, porém, desta vez, com o Killari, este, por sua vez, já um produto com o zebu de Misôre.
Na parte ocidental dos Domínios do Nissan vamos encontrar ainda com outra raça em que o Gir entrou com o seu sangue. É o Deoni, que teve como raças-tronco o Gir e o Dangi.

A todos os zootecnistas da Índia falecem, todavia, dados positivos para que possam averiguar quando e como se processam esses cruzamentos e posteriores mestiçagens. O mais provável, para quem está ao par da natureza do homem do campo na Índia, do ‘ryot’, e conhece o descaso deste pelo refinamento dos rebanhos, com poucas e honrosas exceções, é que o acaso entrou com larga porcentagem na formação dessas novas raças. Para o indiano, desde que o boi seja manso e puxe bem a charrua de madeira, pouco se lhe da que pertença a esta ou a outra raça. Este descaso, ajudado pelo isolacionismo natural dos habitantes de cada aldeia, de cada ‘panchayat’, de cada ‘taluk’, de cada Estado, tornou fácil a eles segregarem um dado tipo de zebu, pois o touro da aldeia pertence, via de regra, ou a um ‘ryot’ mais rico do lugar ou ao templo mais próximo. Alguém comprou e trouxe para o ‘panchyat’ um touro Gir. A mestiçagem se estendeu por todo o gado do lugar. Daí em diante entre esses mestiços continuaram a serem escolhidos os futuros reprodutores e assim, de geração em geração, se foram firmando os caracteres Da nova raça, sem intromissão de outro sangue.

No Mehwati o sangue do Hariana dominou. A pelagem do rebanho adquiriu uma cor cinza claro, uniforme, só muito raramente aparecendo uma rês pintada. No Nimari, assim como no Deoni, produtos de raças inferiores, por se tratarem já de sub-raças, as pintas mesmo consideradas distintivo racial.

Um exemplo mais frisante da possibilidade da fixação de caracteres de uma raça nova de bovinos tem na América. Se os Kleberg, os adiantados fundadores da Raça Santa Gertrudes conseguiram esta fixação entre produtos de duas espécies tão distanciadas uma da outra como são o ‘Shortorn’ (Bós-Taurus) e o ‘Ongole’ (Bós-Iniducus), porque não há de se seguir o mesmo entre nós com o ‘Indubrasil’ que é produto de duas raças zebu?

Apesar disto temos as nossas dúvidas se tanto trabalho terá razão de ser, já que temos aqui, melhor que ninguém no mundo, as raças puras para com elas fabricarmos, a nosso bel-prazer, o novilho industrial pelo cruzamento do zebu com o nosso imenso rebanho de gado autóctone, explorando, com grandes vantagens econômicas, o novilho industrial, aproveitando o ‘vigor híbrido’ tão decantado pelo zootecnistas modernos. Se assim agíssemos não comprometeríamos o futuro de nossas raças de zebu refinadas que possuímos e que é motivo de justo orgulho par o criador brasileiro.

Ao gastarmos tempo e dinheiro em formar novas raças deveríamos encarar este grande encargo, esta grande responsabilidade que pesa sobre os ombros de criador de zebu do Brasil que é fornecer touro puro-sangue para o soerguimento do nosso grande rebanho de gado primitivo, degenerado e raquítico, que domina quase que por completo ainda, grandes áreas dos campos do centro norte do país.

Não há dúvida que, para isso seria indispensável o auxilio real e constante de parte dos poderes públicos, facilitando os transportes, promovendo feiras regionais de gado zebu e procurando convencer o criador da necessidade da melhoria de seu gado se quiser tirar dele lucro compensador.

Os grandes centros zebuistas agiriam então neste caso como grandes usinas produtoras de matéria prima de primeira qualidade, agindo com a máxima lealdade na apresentação deste material. Assim, não haveria mãos a medir à produção de zebus refinados. Necessitamos, no barato, de pelo menos 60.000 reprodutores anualmente, computando o gado do norte e centro do país em 30.000.000 de cabeças e calculando um reprodutor para cada grupo de 500 reses.

Isto posta, não haveria lazer para se procurarem, sem imediata necessidade, confeccionar novas raças, dirigida como estaria a atenção de todo criador de zebu para o refinamento dos seus rebanhos de soberbos Guzerates, majestosos Ongoles e precoces e rotundos Girs.

Nós os possuímos assim, graças a Deus. Desafiando quaisquer outros criadores em todo o mundo, mesmo na Índia, pátria do zebu.

Esperamos que os senhores criadores pesassem bem o que acabamos de expor com a isenção de ânimo necessária para não enxergarem nisto nada mais que o desejo intenso e patriótico de ver a nossa pecuária tropical tomar rapidamente uma trilha que se nos antolha a mãos segura, cada vez mais engrandecida e forte, pesando de verdade na balança econômica do Brasil.

É obvio que nem todos os criadores de zebu serão dados de início a faculdade de fornecerem reprodutores puros, porém, sendo o seu gado já bem adiantado em sangue de qualquer de nossas três raças indicadas, no fim de 3 ou 4 gerações, se tiver o criador o cuidado de só consentir em seu rebanho reprodutores de pureza incontestada e comprovada, mas sempre de uma só raça, o seu rebanho estará praticamente puro, pois a zootecnia admite isto com animais que tenham atingido 31/32 graus de pureza. Pedimos se reportar o leitor ao capítulo primeiro, onde tratamos da seleção contínua[2].

O touro de qualquer rebanho sebu não deverá jamais ser um mestiço. Será um puro-sangue Guzerate, Gir, Ongole ou mesmo Indubrasil depois de se tornarem oficialmente firmados os caracteres deste, depois das imprescindíveis provas de prepotência, isto é, de serem suas características transmitidas de forma cabal à sua descendência, de uma maneira insofismável e sólida.

Toda vez que um criador de gado refinado põe em seu gado um reprodutor de origem duvidosa retrocede muitos anos na apuração final de seu rebanho.

No início de uma criação admite-se que as vacas sejam mestiças, porem o touro, nunca! Excetua-se o caso em que o criador tenha em vista somente a exploração do novilho industrial. Mesmo neste caso seria aconselhável que usasse reprodutores os mais puros possíveis.

Salvo melhor juízo.



[1] Silva, Alexandre Barbosa da: O Zebu na Índia e no Brasil. RJ. 1947.
[2] Seleção contínua: Cruzamento contínuo é o termo empregado, em se tratando de mestiçagem de bovinos, para indicar o trabalho paciente de cruza entre touro puro-sangue de uma raça com vacas de qualquer procedência, continuando-se a cruza das mestiças sempre com padreadores o mais puro possível.

A raça deve ser, como atrás, por várias vezes fizemos notar, escolhida com o maior critério pelo criador, atendendo sempre às circunstâncias atrás apontadas.

Assim, na primeira cruza se obtém o meio sangue. Cruzando-se as novilhas meio-ssangue com raçador puro, a descendência será três quartos de sangue. Se continuado assim, na cruza consecutiva, o gado irá se tornando 7/8, 15/16, 31/32, 63/64, sendo que, da quinta geração em diante será para todos os efeitos considerados puro-sangue, estando praticamente desaparecido o sangue inferior, do lado feminino.

Insistimos de novo aqui: Para que tal aconteça será necessário que jamais se mude a raça nos touros, que deverão sempre ser da mesma raça que o primeiro.

Naturalmente, segundo a lei mendeliana, poderá de quando em vez, um animal com as características da raça inferior, porém isto raramente se dará. Neste caso deve-se imediatamente sacrificar este animal.

Para o resultado definitivo do refinamento do gado pelo cruzamento contínuo, insistimos, é de todo indispensável que haja critério na escolha minuciosa do touro, já que o emprego de um só que não esteja provadamente na raça pura, pode botar a abaixo alguns anos, ou então retardá-lo por muitos anos, pois agora já seriam dois sangues a serem eliminados. Há, portanto, necessidade da maior constância e força de vontade de parte do criador. Este deve ter sempre em mira o resultado final que lhe recompensará, de sobejo, o trabalho e a tenacidade em não se deixar vencer pela tentação de mudar de raça de touros, mais de seu agrado, no correr do tempo, que a raça havia escolhido ao iniciar sua criação.

13 de outubro de 2013

Zebu, o vocábulo

O vocábulo Zebu[i]

O vocábulo – Zebu, embora consagrado nos dicionários e enciclopédias ingleses, é muito pouco empregado pelos britânicos ao se referirem ao ‘Bos inducus’. Preferem a locução – Indian Cattle’.

O norte-americano emprega para o mesmo fim a palavra – ‘Brahman’, que se nos afigura um neologismo impróprio, ‘Brahman’ ou ‘Brahmanini’ é, como atrás já ficou dito ao se tratar das religiões da Índia, a denominação dispensada ao boi sagrado dos templos, consagrados à memória do boi Nandi, símbolo da fecundidade na religião indu, pelo que se reverencia a Siva, uma das pessoas do ‘trimurti’.

A etmologia da palavra zebu nos parece ser genuinamente portuguesa, pois portugueses foram os primeiros europeus que, na época dos descobrimentos, privaram com os indus e se instalaram em diversos pontos das costas do Malabar, a oeste, e das costas do Corumandel a leste, desde o expirar do séc. XV. Depois é que vieram os ingleses.

Assim não nos antolha descabido afirmarmos aqui ser a palavra zebu derivada de ‘geba’ que, em bom português, quer dizer corcova e é também grafada ‘giba’. Desta palavra se derivou o termo com que os antigos escritores portugueses do século XVI, designavam o boi da Índia a que apelidaram de ‘Gebo’, uma espécie de aglutinação de ‘boi de geba’. De ‘gebo’ a ‘zebu’ o salto foi pequeno.




[i] Silva, Alexandre Barbosa da: O Zebu – na Índia e no Brasil. RJ. 1947.

Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)

6 de outubro de 2013

Zebu, a chegada

Exemplar de uma fêmea da raça Nelore
Sua chegada ao Brasil[i]

O zebu chegou por acaso ao Brasil no século XIX. Arribou à Bahia, acossado por tempestade, um barco a vela que transportava alguns exemplares desse gado para Londres - presente de um potentado da Índia a sua Majestade Britânica. Os bois estavam magros, abatidos. Ficaram. O barco seguiu escoteiro. Muito mais tarde é que a importação se fez direta para o Brasil. O 'nelore' se aperfeiçoou sobretudo no Estado do Rio, graças a Pedro Nunes e a outros criadores. Nelore é nome de uma província da Índia. Não existem, lá, bois nelores, nem gir, nem guzerá... Hoje o melhor gado zebu - melhor rebanho do brasil - é de São Paulo. Mas Uberaba deve considerar-se, conforme diz Jango, a legítima capital brasileira do bos indicus. Num livro delicioso, que é romance e não é, escreve o incomparável Nelson Palma Travassos: 'o gado zebu surgiu inicialmente na Bahia, em Pernambuco e no Estado do Rio. Mas foi o mineiro de Uberaba que o transformou em grande negócio. E, através de um plano econômico, o impôs ao Brasil, salvando a pecuária nacional. Foi admirável a diplomacia dos uberabenses, como admirável também foi a planificação da campanha zebuística. Leva-nos até a acreditar na inteligência de um comando único, na argúcia de um gênio militar atrás de todo aquele movimento, feito, entretanto, por acordo tácito entre aqueles homens sagazes’.




[i] Fonseca, Gondin da: Os gorilas o povo e a reforma agrária, manifesto dos bispos do Brasil. São Paulo – SP: Editora Fulgor. 1963