O livro já começa polêmico pelo
título pitoresco e errado: o boi e sua senhora. Boi é usado para designar
animais bovinos machos castrados. Estes não servem como reprodutores por
motivos óbvios, por conseguinte, o senhor da senhora vaca é o touro. A história
discorre sobre a relação entre Juvêncio Virgulino do Amaral Pedroso, um
cartorário que revolveu investir na pecuária a partir da aquisição de uma
Fazenda no interior de São Paulo. Teve como orientador o Tio Inácio, um homem
antigo que vivia fardado de coronel: calça, colete e palito de brim cáqui,
camisa abotoada no colarinho sem gravata. Entre eles, Inácio representava um
mundo que se extinguia, ao passo de Juvêncio, o mundo que surgia no horizonte.
Juvencinho, filho de Juvêncio ao final da história foi aquele que acabou por
modernizar toda a estrutura agrária iniciada pelo pai, Juvêncio. Nessa relação
o autor narra a trajetória da pecuária brasileira deste a chegada do gado no
Brasil, na Capitania de São Vicente, no período colonial, até a sua expressão
maior na pecuária brasileira, o Nelore. Uma obra de leitura obrigatória a todos
aqueles que de uma maneira ou outra lida com essa atividade, a pecuária.
Zebu Brasileiro
Histórias & estórias
25 de novembro de 2015
21 de agosto de 2014
Zebu, o culto pela orelha
O Indubrasil[1]
Entre o expirar do século passado
e o alvorecer do presente os conhecimentos que se possuíam no Brasil sobre o
Zebu e sobre as suas raças perfeitamente definidas na índia estavam ainda no
período nebuloso.
Os valentes emissários que o
arrojo e alta visão dos nossos primeiros importadores de gado indiano, em maior
escala, enviaram ao Oriente, nada sabiam e nem poderiam saber sobre esta
questão de raças zebuínas. Pouco ou quase nada se encontrava nos livros de então.
Mesmo a bibliografia britânica sobre a matéria era parca e deficiente. Somente
em 1887 é que o governo inglês enviou, pela primeira vez, à Índia um zoologista
de valor para estudar in loco as
raças de animais domésticos e tentar classificá-las de uma forma mais ou menos
obediente às formulas científicas. O emissário foi o professor de agricultura e
economia rural da Universidade de Edinburgo – Sir Robert Wallace, que nos legou
a importante obra que é e ‘Índia in 1887’.
Os emissários em apreço tiveram
que se deixar levar, às mais das vezes, pelo que lhes contavam em Bombaim, a
clássica porta de entrada da Índia para os que vêm do Ocidente. Aí,
forçosamente, lhes foi impingido muito gato por lebre de acordo com o velho
brocardo – ‘mais vale o tolo no seu que o ladino no alheio’. Assim puseram-se
eles a adquirir zebus sem curarem da disposição racial destes. Deixaram se
impressionar, nas usas primeiras incursões pelo interior do nordeste indiano,
pelo majestoso do Cancredje puro (o Wadhiar de Radhanpur) de grandes chifres
grossos em forma de lira, pelo refinado Guzerate ou mesmo por outro qualquer
zebu de Bombaim, desde que tivesse a orelha pendente.
Como Cancredje lhes foram
vendidos muito Malvi, muito Rath, e mesmo algum Nagore (pena é que deste último
não nos tivesse vindo mais). O zebu de orelhas pendentes impressionava muito a
esses emissários. Nelore era muito longe. Do outro lado da Índia. A viagem por
mar longa demais, por terra, estafante. Ademais, esses zebus de orelhas grandes
eram os zebus de fato. Os outros, os de ‘orelhas de colher’, não podiam se
comparar com estes, não podiam rivalizar com os majestosos animais que viam
enlevados, a puxarem os carros dos marajás.
E assim se foi ficando na
mentalidade do nosso criador o culto pela orelha descomunal do zebu que tanto e
tão precioso tempo lhe fez perder. Hoje, para o nosso bem, está muitíssimo
atenuado ou quase que banido esse culto, principalmente pelos criadores que
procuraram estudar mais de perto a questão das raças do zebu e as
características de cada uma delas.
Os compradores de zebu na Índia,
mais a título de curiosidade, trouxeram, a princípio, alguns Gir puros, na sua
maior parte Gir vermelho, de cambulhada com o gado branco-cinza do nordeste
indiano. Os criadores do Triângulo, também a mesmo título, procederam a algumas
cruzas daqueles estranhos animais com este gado. O Gir mais lhe parecia o
búfalo que viam estampados nas revistas e nos compêndios de zoologia. O
resultado foi além da expectativa. Ficaram maravilhados com as crias. Formas magníficas,
precocidade surpreendente e, mais que tudo, as orelhas! Estas, em tais bezerros
recém-nascidos, ultrapassavam já a ponta do focinho. E com que elegância apresentava
o pavilhão revirado para fora, macias e finas! Pareciam maiores do que eram. No
meio de uma bezerrada zebu mestiços de Gir destacavam-se aos olhos de qualquer
leigo, pelo porte altaneiro, elegância, robustez e, principalmente pelas
orelhas.
E o pobre Nelore, tão nobre e tão
fino, mas de orelhas curtas, viu-se deposto de seu tão merecido pedestal. Para
a maioria deixou de ser até zebu e assim mergulhou-se no abismo da mestiçagem
grande cópia de rebanhos importantes já tão apurados. Ainda são lembrados com
pesar, por muitos os magníficos rebanhos de Conquista, da família Fontoura
Borges. Felizmente para a grande raça, teve esta, adeptos devotados que
resistiram à avalanche da orelha descomunal e desta maneira foi salva a
preciosa semente do Ongole brasileiro, hoje revivendo com tanta pujança e
disputando mesmo pelos seus antigos escarnecedores.
Todavia, esta fora de dúvida que
o cruzamento do Guzeráte ou Cancredje com o Gir deu como resultado um mestiço
muito mais precoce e mesmo mais apto a deter maior porção de carne do que, em
geral, os novilhos puros das duas raças-tronco. Tem os quartos mais
arredondados e cheios devido à heterogênese operada, completando-se os
caracteres herdados.
Com o escopo de procurarem reter esse conjunto de caracteres de uma maneira perene, criadores adiantados do Triangulo Mineiro, já há muito, vinham tentando a formação de uma nova raça em que esses caracteres se apresentassem fixos, de geração a geração.
O coronel José Caetano Borges, continuador da obra grandiosa de seu progenitor em prol do zebu, apresentou afinal um touro que foi considerado naquela época (cremos que em 1926, mais ou menos) como tipo padrão da nova raça em perspectiva, embora, para isto, lhe faltasse a prova final e concludente de prepotência. Este touro foi o ‘Induberaba’. O entusiasmo cresceu entre os criadores.
Como resultado disto, houve uma
grande reunião na sede da Sociedade Rural do Triângulo Mineiro (SRTM) em
Uberaba para a escolha e aprovação das características a serem adotadas
definitivamente para a nova raça, assim como para escolher o nome a ser-lhe
dado. Posto em votação foi escolhido o de ‘Indubrasil’, por conter, em feliz
aglutinação, o nome dos dois grandes países criadores do zebu. Alguns mais
bairristas lembraram o nome ‘Induberaba’, por ter sido em Uberaba iniciado o
cruzamento que daria origem à nova raça. Ninguém lhes pode tirar totalmente a
razão.
Nessa reunião ficaram registradas
as características zoognósticas da nova raça, cuja enumeração pormenorizada copiamos
abaixo:
“Pele de cor escura, qualquer que
seja a cor do pêlo. Cor será o baio mais claro, ou o baio mais escuro e bem
assim o amarelo nas suas tonalidades diversas traduzindo-se assim por uma cor
sólida ou mistura gradual de duas cores firmes. A cabeça deve guardar um perfil
subconvexo como intermediário do Gir e o perfil concavilíneo do Guzerate, as
raças que lhe deram melhor origem. A testa deve ser ligeiramente saliente. A
face curta e ligeiramente afunilada para o focinho. Ventas largas, cheias e
abertas. Beiços pretos. Orelhas de tamanho médio com o pavilhão voltado para
frente. Olhos grandes e mansos. Chifres de tamanho médio, de grossura maior na
base, diminuindo para a ponta. Pescoço de preferência curto e cheio, bem
inserido no tronco. Barbela de comprimento e largura médios, bem delineada,
concorrendo para a beleza do conjunto, mais fina nas vacas. Espátulas
ligeiramente oblíquas com paletas bem cobertas de carne. Cupim de tamanho
médio, fino e em forma de rim ou de castanha de caju, bem estendido para trás.
Desprezam-se os animais que o tenham caído de um dos lados por ser considerado
defeito. Peito profundo e largo, sem depressões, tende a maçã (encontro)
profunda e larga, moderadamente saliente e proporcionalmente coberta de carne e
gorduras. Costelas bem arqueadas, sem depressões para trás das pás, juntas e
bem cobertas de carne até a anca. Lombo forte e musculoso. Garupa comprida,
horizontal e bem ligada ao lombo e cobertas de carnes. Quartos musculosos,
cheios e profundos e espessos. Coxas e entrepernas cheias e espessas com carne
até o garrão. Cauda comprida e fina, despontada a começar da base. Linha de baixo
reta, horizontal e o mais paralela possível com a linha de cima. Virilhas
cheias e profundas. Pernas moderadamente curtas e colocadas em retângulo,
aprumos perpendiculares. Braços bem musculosos com osso fortes e lisos. Cascos pretos
ou escuros. Carne profunda, firme, lisa e uniformemente cobrindo o corpo todo,
mostrando abundância de músculos. Couro papada moderada e um moderado
desenvolvimento de pela solta na região do umbigo; couro suave e oleoso,
coberto de pêlos curtos. Aparência geral vigorosa e compacta indicando grande
porcentagem de carnes, mostrando grande virilidade. Passo rápido com cabeça
erguida, denotando energia. Peso (desenvolvimento) proporcional a idade. Está
datado: Uberaba, 13 de Março “de 1938”. – “Assinado por Agenor Fontoura Borges,
João Machado Borges, Vicente Rodrigues da Cunha, Valdemar Cruvinel Ratto,
Guiomar Rodrigues da Cunha e José Rodrigues da Silva Calheiros”.
A redação deste documento que
copiamos tal qual se acha, encontra-se modificada no ‘Regulamento e Instruções
do ‘Registro Genealógico das Raças de Origem Indiana, Gir, Nelore, Guzerath e
do tipo Indubrasil’ – de 30 de Agosto de 1938, sem, todavia, sofrer alterações
em suas linhas gerais.
Pelo que acabamos de expor
patenteia-se a boa vontade, o patriotismo e a energia desses batalhadores.
A intenção foi a melhor possível, porém os resultados alcançados até agora não tem sido de molde a considerar-se vencida a campanha em prol da nova raça. Embora tenha havido sempre um grupo de criadores enérgicos e tenazes que seguiram avente na trilha certa e preestabelecida, procurando, sem desfalecimento, imprimir à raça em formação as características indicadas pela SRTM, a maioria não tem procurado proceder da mesma maneira. Uns se apegam ainda às orelhas descomunais, outros a cores diferentes para a pelagem, outros batem por conformação toda especial da cabeça, havendo mesmo alguns que querem para os seus Indubrasis a cor pintada do Gir.
Já ouvimos diversos criadores manifestarem-se desta forma: ‘Para mim o Indubrasil com a cabeça quanto mais agirada melhor’. Há outros que respondem: ‘Pois para mim, não! Desde que ele tenha a orelha bem comprida, a cara aguzeratada é mais elegante. Ainda há outros que cruzam simplesmente animais de origem duvidosa com sangue das duas raças-tronco e proclamam-se criadores de Indubrasil, com grande prejuízo para os que realmente se esforçaram para a fixação definitiva da raça. Será possível fixarem-se desta forma as características de uma raça?
O governo por muito tempo prestou
pouca atenção ao zebu e mesmo mal aconselhado, declarou a este uma guerra
surda. Hoje já lhe reconhece o valor e está cônscio de que na zona
intertropical do país é o zebu, incontestavelmente, um dos esteios da nossa
economia. Estão hoje, certos os nossos dirigentes que muito pouco vale para a
pecuária dos trópicos os rebanhos originários das zonas temperadas, para com
eles povoarmos os nossos campos naturais.
Seguindo este novo e sensato modo
de encarar uma questão de importância tão vital, foram criadas diversas
estações experimentais de zebu, entre as quais se destaca a Fazenda
Experimental de Uberaba, não só pelos elementos materiais de que foi dotada,
como, principalmente, pela direção inteligente de que goza, tendo à sua testa
zootecnistas cônscios da imensa tarefa que lhes pesa aos ombros e que trabalham
de fato em prol de refinamento científico do zebu brasileiro.
O Indubrasil tem na SRTM o seu
registro genealógico.
Pelo que acima acabamos de expor
veremos que há bastante que fazer ainda para a fixação definitiva do
Indubrasil, tarefa esta que hoje está, muito especialmente, a cargo da Fazenda
Experimental de Uberaba. Temos para nós que esta medida está certa. Os poderes
públicos podem com muito mais proveito que os particulares levar a cabo empreendimentos
como este, pois, para isto, é necessário muito tempo, muito dinheiro, muita
paciência, assim como um trabalho de vigilância constante e tenaz, com
sacrifício imediato de todo animal que fugir à linha visada, e mais que tudo, a
comunhão de esforços de TODOS os criadores da nova raça em formação em torno de
um só ideal, sem tergiversação nem desânimos. Sem este conjunto de elementos a
fixação da raça resultará uma utopia.
O que acabamos de expor
evidencia-se cabalmente quando nos reportamos à história da formação do
‘Shorthorn’ no condado de Durham, na Inglaterra, encetada e quase
definitivamente terminada pelos irmãos Colling. Durante a vida destes a coisa
foi muito bem e a raça foi se expandindo, lenta, mas firmemente, obedecendo às
rigorosas regras de seleção, ajudados os Collings por Thomas Booth e Thomas
Bates. Infelizmente desaparecidos os fundadores, os últimos entram em
rivalidade quanto às características a serem impressas na nova Durham dividindo
em dois tipos: o ramo Bates e o ramo Booth. A pureza da raça atirada à fantasia
dos partidários dos dois ramos começou a periclitar até que chegou a seu auge
de desintegração em 1875. Aí houve então a intervenção enérgica e o
providencial de criadores do calibre de Cruickshank, secundado por W. Duthie e
por Dean Willis. A raça voltou de novo ao antigo esplendor firmando os
caracteres que até hoje fazem do ‘Shorthon’ o padrão do gado fino para carne.
É óbvio, pois que, para
conseguir-se a fixação dos caracteres transmissíveis no Indubrasil, de geração
após geração, sem degenerescência, é necessária, antes de tudo, a disciplina
entre os criadores, coisa bem difícil entre nós.
No seio da Índia, território do
Radjuputana, Estados de Alwar e Bartpur, vai encontrar um produto mestiço de
Gir com Hariana de caracteres há muito fixado e transmissíveis. Esta nova raça
tomou o nome de Mehwati.
Às margens do Narbada, nas
Províncias Centrais da Índia depara-se com o Nimari, produto do Gir, porém,
desta vez, com o Killari, este, por sua vez, já um produto com o zebu de
Misôre.
Na parte ocidental dos Domínios
do Nissan vamos encontrar ainda com outra raça em que o Gir entrou com o seu
sangue. É o Deoni, que teve como raças-tronco o Gir e o Dangi.
A todos os zootecnistas da Índia
falecem, todavia, dados positivos para que possam averiguar quando e como se
processam esses cruzamentos e posteriores mestiçagens. O mais provável, para
quem está ao par da natureza do homem do campo na Índia, do ‘ryot’, e conhece o
descaso deste pelo refinamento dos rebanhos, com poucas e honrosas exceções, é
que o acaso entrou com larga porcentagem na formação dessas novas raças. Para o
indiano, desde que o boi seja manso e puxe bem a charrua de madeira, pouco se
lhe da que pertença a esta ou a outra raça. Este descaso, ajudado pelo
isolacionismo natural dos habitantes de cada aldeia, de cada ‘panchayat’, de
cada ‘taluk’, de cada Estado, tornou fácil a eles segregarem um dado tipo de
zebu, pois o touro da aldeia pertence, via de regra, ou a um ‘ryot’ mais rico do
lugar ou ao templo mais próximo. Alguém comprou e trouxe para o ‘panchyat’ um
touro Gir. A mestiçagem se estendeu por todo o gado do lugar. Daí em diante
entre esses mestiços continuaram a serem escolhidos os futuros reprodutores e
assim, de geração em geração, se foram firmando os caracteres Da nova raça, sem
intromissão de outro sangue.
No Mehwati o sangue do Hariana
dominou. A pelagem do rebanho adquiriu uma cor cinza claro, uniforme, só muito
raramente aparecendo uma rês pintada. No Nimari, assim como no Deoni, produtos
de raças inferiores, por se tratarem já de sub-raças, as pintas mesmo
consideradas distintivo racial.
Um exemplo mais frisante da possibilidade da fixação de caracteres de uma raça nova de bovinos tem na América. Se os Kleberg, os adiantados fundadores da Raça Santa Gertrudes conseguiram esta fixação entre produtos de duas espécies tão distanciadas uma da outra como são o ‘Shortorn’ (Bós-Taurus) e o ‘Ongole’ (Bós-Iniducus), porque não há de se seguir o mesmo entre nós com o ‘Indubrasil’ que é produto de duas raças zebu?
Apesar disto temos as nossas
dúvidas se tanto trabalho terá razão de ser, já que temos aqui, melhor que
ninguém no mundo, as raças puras para com elas fabricarmos, a nosso bel-prazer,
o novilho industrial pelo cruzamento do zebu com o nosso imenso rebanho de gado
autóctone, explorando, com grandes vantagens econômicas, o novilho industrial,
aproveitando o ‘vigor híbrido’ tão decantado pelo zootecnistas modernos. Se
assim agíssemos não comprometeríamos o futuro de nossas raças de zebu refinadas
que possuímos e que é motivo de justo orgulho par o criador brasileiro.
Ao gastarmos tempo e dinheiro em
formar novas raças deveríamos encarar este grande encargo, esta grande
responsabilidade que pesa sobre os ombros de criador de zebu do Brasil que é
fornecer touro puro-sangue para o soerguimento do nosso grande rebanho de gado
primitivo, degenerado e raquítico, que domina quase que por completo ainda,
grandes áreas dos campos do centro norte do país.
Não há dúvida que, para isso seria indispensável o auxilio real e constante de parte dos poderes públicos, facilitando os transportes, promovendo feiras regionais de gado zebu e procurando convencer o criador da necessidade da melhoria de seu gado se quiser tirar dele lucro compensador.
Os grandes centros zebuistas
agiriam então neste caso como grandes usinas produtoras de matéria prima de
primeira qualidade, agindo com a máxima lealdade na apresentação deste
material. Assim, não haveria mãos a medir à produção de zebus refinados.
Necessitamos, no barato, de pelo menos 60.000 reprodutores anualmente,
computando o gado do norte e centro do país em 30.000.000 de cabeças e
calculando um reprodutor para cada grupo de 500 reses.
Isto posta, não haveria lazer
para se procurarem, sem imediata necessidade, confeccionar novas raças, dirigida
como estaria a atenção de todo criador de zebu para o refinamento dos seus
rebanhos de soberbos Guzerates, majestosos Ongoles e precoces e rotundos Girs.
Nós os possuímos assim, graças a Deus. Desafiando quaisquer outros criadores em todo o mundo, mesmo na Índia, pátria do zebu.
Esperamos que os senhores
criadores pesassem bem o que acabamos de expor com a isenção de ânimo
necessária para não enxergarem nisto nada mais que o desejo intenso e patriótico
de ver a nossa pecuária tropical tomar rapidamente uma trilha que se nos
antolha a mãos segura, cada vez mais engrandecida e forte, pesando de verdade
na balança econômica do Brasil.
É obvio que nem todos os
criadores de zebu serão dados de início a faculdade de fornecerem reprodutores
puros, porém, sendo o seu gado já bem adiantado em sangue de qualquer de nossas
três raças indicadas, no fim de 3 ou 4 gerações, se tiver o criador o cuidado
de só consentir em seu rebanho reprodutores de pureza incontestada e
comprovada, mas sempre de uma só raça,
o seu rebanho estará praticamente puro, pois a zootecnia admite isto com
animais que tenham atingido 31/32 graus de pureza. Pedimos se reportar o leitor
ao capítulo primeiro, onde tratamos da seleção
contínua[2].
O touro de qualquer rebanho sebu
não deverá jamais ser um mestiço. Será um puro-sangue Guzerate, Gir, Ongole ou
mesmo Indubrasil depois de se tornarem oficialmente firmados os caracteres
deste, depois das imprescindíveis provas de prepotência, isto é, de serem suas
características transmitidas de forma cabal à sua descendência, de uma maneira
insofismável e sólida.
Toda vez que um criador de gado
refinado põe em seu gado um reprodutor de origem duvidosa retrocede muitos anos
na apuração final de seu rebanho.
No início de uma criação
admite-se que as vacas sejam mestiças, porem o touro, nunca! Excetua-se o caso
em que o criador tenha em vista somente a exploração do novilho industrial.
Mesmo neste caso seria aconselhável que usasse reprodutores os mais puros
possíveis.
Salvo melhor juízo.
[1]
Silva, Alexandre Barbosa da: O Zebu na Índia e no Brasil. RJ. 1947.
[2]
Seleção contínua: Cruzamento contínuo é o termo empregado, em se tratando de
mestiçagem de bovinos, para indicar o trabalho paciente de cruza entre touro
puro-sangue de uma raça com vacas de qualquer procedência, continuando-se a
cruza das mestiças sempre com padreadores o mais puro possível.
A raça deve ser, como atrás, por várias vezes fizemos notar, escolhida com o maior critério pelo criador, atendendo sempre às circunstâncias atrás apontadas.
A raça deve ser, como atrás, por várias vezes fizemos notar, escolhida com o maior critério pelo criador, atendendo sempre às circunstâncias atrás apontadas.
Assim, na primeira cruza se
obtém o meio sangue. Cruzando-se as novilhas meio-ssangue com raçador puro, a
descendência será três quartos de sangue. Se continuado assim, na cruza
consecutiva, o gado irá se tornando 7/8, 15/16, 31/32, 63/64, sendo que, da quinta
geração em diante será para todos os efeitos considerados puro-sangue, estando
praticamente desaparecido o sangue inferior, do lado feminino.
Insistimos de novo aqui: Para
que tal aconteça será necessário que jamais se mude a raça nos touros, que
deverão sempre ser da mesma raça que o primeiro.
Naturalmente, segundo a lei
mendeliana, poderá de quando em vez, um animal com as características da raça
inferior, porém isto raramente se dará. Neste caso deve-se imediatamente
sacrificar este animal.
Para o resultado definitivo
do refinamento do gado pelo cruzamento contínuo, insistimos, é de todo
indispensável que haja critério na escolha minuciosa do touro, já que o emprego
de um só que não esteja provadamente na raça pura, pode botar a abaixo alguns
anos, ou então retardá-lo por muitos anos, pois agora já seriam dois sangues a
serem eliminados. Há, portanto, necessidade da maior constância e força de
vontade de parte do criador. Este deve ter sempre em mira o resultado final que
lhe recompensará, de sobejo, o trabalho e a tenacidade em não se deixar vencer
pela tentação de mudar de raça de touros, mais de seu agrado, no correr do tempo,
que a raça havia escolhido ao iniciar sua criação.
13 de outubro de 2013
Zebu, o vocábulo
O vocábulo Zebu[i]
O vocábulo – Zebu, embora
consagrado nos dicionários e enciclopédias ingleses, é muito pouco empregado
pelos britânicos ao se referirem ao ‘Bos inducus’. Preferem a locução – Indian
Cattle’.
O norte-americano emprega para o
mesmo fim a palavra – ‘Brahman’, que se nos afigura um neologismo impróprio, ‘Brahman’
ou ‘Brahmanini’ é, como atrás já ficou dito ao se tratar das religiões da
Índia, a denominação dispensada ao boi sagrado dos templos, consagrados à
memória do boi Nandi, símbolo da fecundidade na religião indu, pelo que se
reverencia a Siva, uma das pessoas do ‘trimurti’.
A etmologia da palavra zebu nos
parece ser genuinamente portuguesa, pois portugueses foram os primeiros
europeus que, na época dos descobrimentos, privaram com os indus e se
instalaram em diversos pontos das costas do Malabar, a oeste, e das costas do
Corumandel a leste, desde o expirar do séc. XV. Depois é que vieram os ingleses.
Assim não nos antolha descabido
afirmarmos aqui ser a palavra zebu derivada de ‘geba’ que, em bom português,
quer dizer corcova e é também grafada ‘giba’. Desta palavra se derivou o termo
com que os antigos escritores portugueses do século XVI, designavam o boi da
Índia a que apelidaram de ‘Gebo’, uma espécie de aglutinação de ‘boi de geba’.
De ‘gebo’ a ‘zebu’ o salto foi pequeno.
[i]
Silva, Alexandre Barbosa da: O Zebu – na Índia e no Brasil. RJ. 1947.
Luiz Humberto Carrião (l.carriao@bol.com.br)
6 de outubro de 2013
Zebu, a chegada
![]() |
Exemplar de uma fêmea da raça Nelore |
Sua chegada ao Brasil[i]
O zebu chegou por acaso ao Brasil no
século XIX. Arribou à Bahia, acossado por tempestade, um barco a vela que
transportava alguns exemplares desse gado para Londres - presente de um
potentado da Índia a sua Majestade Britânica. Os bois estavam magros, abatidos.
Ficaram. O barco seguiu escoteiro. Muito mais tarde é que a importação se fez
direta para o Brasil. O 'nelore' se aperfeiçoou sobretudo no Estado do Rio,
graças a Pedro Nunes e a outros criadores. Nelore é nome de uma província da
Índia. Não existem, lá, bois nelores, nem gir, nem guzerá... Hoje o melhor gado
zebu - melhor rebanho do brasil - é de São Paulo. Mas Uberaba deve
considerar-se, conforme diz Jango, a legítima capital brasileira do bos indicus. Num livro delicioso, que é romance e não é, escreve o
incomparável Nelson Palma Travassos: 'o gado zebu surgiu inicialmente na Bahia,
em Pernambuco e no Estado do Rio. Mas foi o mineiro de Uberaba que o
transformou em grande negócio. E, através de um plano econômico, o impôs ao
Brasil, salvando a pecuária nacional. Foi admirável a diplomacia dos
uberabenses, como admirável também foi a planificação da campanha zebuística.
Leva-nos até a acreditar na inteligência de um comando único, na argúcia de um
gênio militar atrás de todo aquele movimento, feito, entretanto, por acordo
tácito entre aqueles homens sagazes’.
[i]
Fonseca, Gondin da: Os gorilas o povo e a reforma agrária, manifesto dos bispos
do Brasil. São Paulo – SP: Editora Fulgor. 1963
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